A ARTE DE SE VIRAR
Charlles Nunes
Preciso confessar uma coisa: são 04h04min da manhã de um quinze de outubro qualquer, e eu preciso escrever. Os homenageados da data que me perdoem, mas o motivo da escrita não é lá muito digno. Acordei com vontade de contar alguma mentira.
Então, vou contar uma bem pequenininha, só pra matar a vontade mesmo, e prometo que ela nem vai comprometer o desenrolar dos fatos nem o sentido do texto. E só vou usar 500 palavras.
Eu sou do tempo em que a gente tinha irmãos. E sou de uma família na qual as pessoas liam juntas. Gibis, livros, revistas, qualquer coisa. A gente era tão viciado que lia até embalagem de sabão em pó, ou do que estivesse à mão. Naquela época, existia até uma cestinha perto do vaso, e atender às necessidades fisiológicas era quase um ato cultural.
Foi nesse período que tive o prazer de ouvir meu irmão ler um texto, cujo título nem me lembro mais, sobre uma janela que se abria para um galo que estava sobre um ovo azul. Quando o céu estava azul, o galo parecia que flutuava, porque o ovo ficava invisível. Ele leu e releu aquele texto tantas vezes, e com tanto prazer na voz, que eu já conseguia olhar pela nossa janela e ver o tal ovo invisível, fizesse chuva ou sol. Ler tem dessas coisas: alimenta a imaginação da gente.
Pois bem, como eu tava dizendo, são quatro e pouca da manhã, e aqui onde eu moro a janela também tem seus segredos. Quando a gente acorda muito cedo, dá pra imaginar a hora, porque não tem nenhum carro passando. Se tiver som de carro, já são mais de seis da manhã. E lá pelas oito então, aí o trânsito intenso já denuncia que a gente perdeu a hora.
Bem, independente da hora, tem alguns passarinhos que se revezam para atazanar o sono do cristão. O mais insistente deles outro dia estava cantando “Tirei zero, tirei zero, tirei zero…” Depois que ele percebeu que a gente não tava nem aí, trocou o repertório e começou a fazer propaganda: “Piso zero, piso zero, piso zero. Deve ser porque viu meu amigo Paulo Leão e a esposa nos visitando na semana passada. Acho que o safadinho estava escondido quando o casal saiu daqui, tarde da noite.
Hoje de manhã, ele inventou uma nova pegada: “Derreteu, derreteu, derreteu…” Fiquei pensando: o que será que deve ter derretido à essa hora da manhã? Nem vou abrir a janela, porque se não tiver nenhuma poça de água no chão, ele pode continuar a cantoria só pra ficar me zoando.
Bem, agora que eu contei a minha pequena mentira, já posso voltar pra cama. Mas fica a dica, que ela não tem nada a ver com esse passarinho que decidiu pagar sua penitência bem ao lado da nossa janela. Ela tem apenas seis palavras, e ficou lá pra trás pelo quarto parágrafo. E antes que eu me esqueça…
Feliz Dia das Professoras!