O Termômetro da Minha Avó
Charlles Nunes
Quando eu era pequeno, nossa família morou na casa da minha avó. Católica devota, ela tinha um termômetro com a imagem de Nossa Senhora. As crianças não podiam nem chegar perto.
Um dia, fiquei sozinho em casa e resolvi fazer uma experiência… Peguei o termômetro com cuidado. Busquei uma forma de gelo e uma caixa de fósforos. Botei os três em cima da mesa. Ao encostar o gelo na parte de baixo do termômetro, fui vendo o líquido descer até perto do zero. Risquei o fósforo, e aproximei da bolinha vermelha.
A temperatura foi subindo, subindo, até o limite da numeração. Voltei com o gelo. E tome fogo. E tome gelo. E tome fogo de novo. Fiquei nesse vai e vem até perder a noção da hora. Eu sabia que quando a vó chegasse, game over. Mas bastou um momento de distração com o fósforo e…
POW!
O termômetro ficou em pedaços. Arregalei os olhos e liguei o botão do cagaço. Se eu não arrumasse uma saída, minha avó ia me arrebentar. Guardei a forma de gelo e a caixa de fósforos. Fiquei rodando pela casa desorientado, feito um pai novato com o filho golfando. Eu tinha que esconder a prova do crime.
Com o coração querendo pular do peito, enrolei o que sobrou numa camiseta. Escolhi uma gaveta pouco usada, e escondi bem lá no fundo. Quando a vó chegou, não deu falta do termômetro. Fiz uma cara de paisagem e nem toquei no assunto. Mas na minha testa eu sentia pulsando em letras de neón: “Culpado! Culpado!”
Dias depois, ela encontrou o pacote. Prometeu que ia descobrir o autor da façanha e comer o fígado do infeliz. Claro que eu jurei de pé junto que não sabia de nada. Tá doido se eu ia ter uma ideia de jerico daquelas! (Vai que a minha avó cisma em cumprir a palavra…)
O tempo passou, o termômetro também. Minha avó partiu e o meu fígado ficou intacto. Quando a gente se encontrar do outro lado, vou contar toda a verdade. Mas se antes dela, eu passar por São Pedro, prometo pedir desculpas pela traquinagem... Dizem que criança tem crédito com ele! =D
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Texto integrante do livro 'Vai Cuidar da Sua Vida'.