Charlles Nunes
Aprender é para sempre.
Textos

Padeiro: Excelência por Tradição
Charlles Nunes

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“É o uso pleno de nossa mente e a utilização das habilidades de nossas mãos que nos ergue acima da estagnação da mediocridade.” ~ Gordon B. Hinckley



Em certas cidades do interior, o padeiro costuma ir de casa em casa, entregando o pão ainda quentinho. Os clientes acertam a conta uma vez por semana, ou por mês. Assim, recebem o pão na porta sem ter o trabalho de se levantar. Noutras, ele bate a campainha e aguarda ser atendido.

Certa vez o cronista Rubem Braga conheceu um padeiro que entregava o pão à porta do apartamento, apertava a campainha e, para não incomodar, avisava gritando: “- Não é ninguém, é o padeiro!”

O cronista interrogou-o sobre essa apresentação e o padeiro respondeu com um largo sorriso: “Quando toco a campainha, às vezes sou atendido pela empregada, e uma voz pergunta lá de dentro, “quem é?”“, a empregada responde “não é ninguém, é o padeiro. “Assim, acabei descobrindo que não sou ninguém.”

Pois se pudéssemos vislumbrar o verdadeiro exército de ‘ninguéns’ que desperta de madrugada e entra em ação para preparar o pão nosso de cada dia, nossas preces matutinas seriam um pouco mais longas. Como uma legião de anjos celestiais, eles sacrificam seu sono para responder nossas orações.

Um padeiro costuma ser um profissional multifacetado. Ainda aprendiz, meu irmão descobriu alguns segredos da profissão que até hoje guarda a sete chaves.

Embora ele fosse um túmulo a esse respeito, fontes seguras me contaram que pouquíssimos teriam a coragem de comer o que eles produziam, se descobrissem como trabalhavam por trás dos bastidores.

Uma coisa eu garanto: depois que trabalhou naquela padaria, ele tornou-se um pouco mais seletivo sobre os locais onde fazia seu lanche...

Todo padeiro tem um quê de poeta, outro de pescador.

Poeta porque já ouvi de um deles, quase em tom de confissão: “Quando vira o tempo, a gente se perde no fermento!”

Pescador porque precisa achar a isca certa para atrair, fisgar e manter sua clientela. Senão o fluxo do caixa vai por água abaixo.

Às vezes, o padeiro é também o dono da padaria. Aí sim, precisa aprender a encantar os clientes. Na primeira vez que entrei numa delas, o dono já aprendeu meu nome. A partir daí, me anunciava logo na entrada, acrescentando algum comentário positivo.

Certa vez, após comprar o dobro do que havia ido buscar, fiquei um pouco mais para admirar sua técnica:

“Chegou o homem que manda”, anunciava à entrada de um. “Olha a moça dos sonhos aí...”, proclamava à chegada de outra.

Quando me virei para contemplar a moça – esperando dar de cara com uma Maitê Proença – o que vi satisfazia no máximo o sonho modesto de um rapaz do interior. A guria foi logo berrando:

“-- Me ‘vê’ dez sonho aí, ó!”

Injusto dizer que o padeiro é – entre os profissionais da madrugada – o primeiro a acordar. Muitas vezes, ele ainda nem foi dormir!

Diversidade é rotina na padaria. Além de suas habilidades manuais, aprende mais palavras que um vendedor de parafusos: bolos, pão doce, broas, croissant, panetone, colonial, cuca, pão de mel, crista de galo, pão de bico, denso, rosquinha, pão-de-ló, torradinhas, bisnaga e... Parafuso.

Cada pão tem suas particularidades:

     •  Pão-de-nó – cozinha lentamente, feito por empregado preguiçoso.
     •  Pão-peixe – bastante vendido à beira-mar.
     •  Pão-aviãozinho – o preferido dos traficantes.
     •  Pão-trouxinha – o preferido pela polícia.
     •  Pão-trança – recomendado para quem tem cabelos longos.
     •  Pão-jacaré – o último a sair do forno, quando a padaria vai pro brejo.

Uma padaria pode ser tanto o ponto final das madrugadas juvenis quanto o ponto de partida pra quem vai pegar no batente. Depois que o padeiro chega, o cheiro das delícias fumegantes começa a invadir o quarteirão...

À medida que as pessoas começam a trabalhar longe de casa, os alimentos tendem a ser consumidos cada vez mais fora do lar. Boa parte desses alimentos é feita na padaria. Daí cresce também a necessidade de bons profissionais.

Assim como alguns políticos, o padeiro se distrai sovando a massa. Precisa acordar bem cedinho, e começar a correria. Para manter as vitrines sempre sortidas, ele precisa ser habilidoso, criativo, e estar disposto a aprender sempre.

Na França, onde a profissão tem prestígio milenar, os jovens não estão lá muito a fim de botar a mão na massa. Para reverter a situação, o Sindicato da classe procura divulgar a profissão organizando há mais de uma década o Dia do Pão.

No passado, o treinamento desses profissionais incluía uma série de ritos, gestos e sinais que somente os participantes ficavam sabendo. E os profissionais mantinham um sentimento de solidariedade entre os portadores.

A profissão era tão valorizada no passado, que certo Vergilius Eurycasés – o padeiro mais famoso na história de Roma – foi enterrado com honras de majestade!

Se a profissão era assim tão valorizada, fico curioso em saber o que acontece por trás dos bastidores, que faz com que atualmente tão pouca gente se interesse nessa arte milenar?

Acho que vou ficar sem saber mesmo. Se você tiver algum conhecido padeiro, pergunte a ele e me escreva, pois já cansei de perguntar ao meu irmão...

Muito antes de ser aprendiz de padeiro, ele já era muito bom em guardar segredos!

 



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Charlles Nunes
Enviado por Charlles Nunes em 12/07/2020
Alterado em 31/01/2023
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