Coveiro: O Agente Invisível
Charlles Nunes
(Clique aqui para ler a seção de Crônicas)
“Não é na morte ou num acontecimento que damos nossa vida, mas dia após dia, como nos é pedido.” ~ Robert D. Hales
Lidar com a morte é uma maneira um tanto ingrata de se ganhar a vida. Mas se você pensa que ninguém sonha em ser coveiro, se enganou. Tem gente que declara ter nascido pra isso.
Embora nem todos tenhamos tendência para a mesma profissão, precisamos reconhecer o valor do responsável pelos sepultamentos. Entre outras qualidades, ele precisa ter coragem, bom senso e disposição – muita disposição.
Quem imagina que o coveiro apenas enterra corpos, precisa revitalizar seus conceitos. Ele trabalha como o coringa do baralho, agindo em diversas funções.
Começa como servente. Cava covas, constrói túmulos, leva o carrinho com os caixões. E vai aos poucos conquistando seu espaço. Ele é o pedreiro e o mestre de cerimônias ao mesmo tempo.
Como gente não tem hora pra morrer, o coveiro está sempre de plantão. Durante o cortejo11, ele desempenha um papel essencial. Mesmo assim, se empenha em não roubar a cena. Afinal, o papel principal cabe ao falecido!
Exumar corpos – retirar os restos mortais de uma sepultura ou gaveta e transportá-los para um túmulo permanente – é uma de suas tarefas mais penosas. Aqui, os ossos do ofício se tornam um pouco mais duros. Quando o corpo ainda está em decomposição, a tarefa se torna quase insuportável!
Um bom coveiro é também um bom contador de histórias. Tem aquela do defunto que foi enterrado com o celular, a pedido da viúva. O problema é se alguém exumar o corpo e pegar o celular. Vai armar a melhor pegadinha da história! “Alô, aqui é o falecido Zé. Você pode dar uma chegadinha aqui na aléia 22?”
Tem também a do coveiro que foi soterrado enquanto abria uma cova. Um trator que retirava terra no local tombou sobre ele. Seu colega de trabalho correu em seu socorro e cavou até colocar a cabeça do acidentado para fora da terra. O pessoal da emergência veio logo para desenterrar o coveiro, que continuou vivinho da silva.
Sempre no anonimato, o coveiro segue um rígido código de conduta. Mesmo em sepultamento de gente famosa deve permanecer invisível, ainda que apareça na TV. Não deve falar alto ou fumar, e precisa tratar todas as famílias com respeito.
Por mais triste que seja a cena, não pode se envolver demonstrando tristeza, desconsolo, espanto ou dor. Precisa realizar o trabalho difícil para o qual ninguém mais ali teria estrutura. De tanto enfrentar o estresse, acaba aprendendo a controlar suas emoções.
Mas o coveiro também tem sentimentos. Assim como tem família, interesses e sonhos. Quando vai pra casa, carrega nos ombros o estresse emocional do dia.
Ao chegar em casa, ele se encontra com outra heroína: aquela que o recebe quando ele não precisa demonstrar ser o mais forte. É ela quem permanece ao seu lado quando alguém ridiculariza a profissão. É ela quem sonha ao seu lado com um futuro melhor para os filhos. É ela quem torce com ele pelo time do coração!
Quem decide ser coveiro começa uma vida nova. Precisa aprender a comunicar sua nova profissão aos amigos e familiares.
Existe gente que não estende sequer a mão para saudar um velho amigo coveiro, ainda que estejam numa festa de aniversário! Outros o cumprimentam de longe, gritando em tom pejorativo: ‘E aí, coveiro... Enterrou quantos hoje?’
Já passou da hora de aprendermos a respeitá-lo tanto quanto ele nos considera na hora da tristeza. Da próxima vez que comparecer a um enterro, preste atenção ao profissional que presta o derradeiro serviço a todos nós. Capriche na gorjeta, e aperte a mão dele por mim...
Quem sabe na sua partida até o coveiro chore também?