Lições de Um Pipoqueiro
Charlles Nunes
Desde criança, aprendi a respeitar o ‘Seu’ Jorge. Ele era o pipoqueiro que apaziguava nossa fome com sua generosa oferta de piruá - o milho teimoso que não estoura - quando voltávamos das peladas nos idos de 80.
Me lembro de sua canequinha azul, daquele sorriso sincero e do brilho nos olhos que ele mantinha, mesmo sabendo que não éramos seus clientes mais lucrativos.
Tudo o que lhe retribuíamos era um sincero ‘brigado’ com a boca cheia de milho esfarelado, e íamos correndo tomar um copo d’água na padaria.
Tive a oportunidade de trabalhar nos Jogos Pan-americanos Rio 2007, como um dos coordenadores do Programa dos Observadores. O principal objetivo do programa, desenvolvido pela empresa Event Knowledge Services, é mostrar como se organizam os jogos, a fim de que os comitês olímpicos de cada país possam se candidatar a sediar os jogos também.
Tivemos a oportunidade de assistir a dezenas de palestras com os gerentes das Áreas Funcionais do CO-Rio (os mentores da operação), e ouvimos de primeira mão sobre os desafios enfrentados e as soluções encontradas durante o período de preparação.
Como parte do Programa, visitamos as instalações esportivas – estádios, ginásios e arenas, assim como as não esportivas – almoxarifados, depósitos, cozinhas... sempre em companhia dos Observadores, que representavam comitês organizadores, órgãos governamentais e patrocinadores nacionais e estrangeiros.
Foi um grande privilégio compreender um pouco melhor a organização de um evento deste porte, e assistir à uma boa parte das competições esportivas.
Entretanto, o que mais me encantou foram as pessoas que conheci, dentro e fora de nossa equipe. Entre embaixadores e coronéis, diretores e presidentes, conheci também muitos ‘Jorges’ no Rio.
Foi o ‘seu Jorge’ da Van que me levou à favela da Rocinha, onde almocei diversas vezes em companhia de pessoas maravilhosas. Compartilhamos também suas melhores piadas.
Foi o ‘seu Jorge’ do Shopping que me deu a dica de onde comprar bijuterias para nossas novas amigas da Colômbia.
Foi o ‘seu Jorge’ do Hotel que me fez saber como funciona a estrutura hoteleira da cidade, partilhando valiosos conselhos profissionais. Um verdadeiro mestre em relacionamento humano.
Isto me faz lembrar da história contada por um presidente de universidade, que era visitado mensalmente por um amigo, o qual trazia a cada visita um caderninho azul para anotar os conselhos que receberia durante a conversa.
Como o presidente sentia-se orgulhoso por haver encontrado alguém que reconhecia a preciosidade de suas observações!
Dias depois, enquanto participava de uma reunião na qual a oradora era uma menina de 6 ou 7 anos, ele percebeu que também estava presente seu amigo, duas ou três fileiras à frente. Qual não foi sua surpresa, ao vê-lo abrir o mesmo caderninho azul, e registrar atentamente as palavras da garota.
Ali estava alguém que reconhecia a importância de se aprender com qualquer pessoa, independente da idade ou posição social.
Conforme relatou o presidente, logo após aquele período seu amigo passou por uma fase de grandes desafios familiares e profissionais, e suportou a todos. Havia entesourado as lições que lhe capacitaram a resistir àquela época tão difícil.
Sem querer assumir um tom de pregador, gostaria de enfatizar a importância de se aprender com todas as pessoas, visto termos todos experiências diferentes no dia-a-dia. As duas pessoas que mais me ensinaram foram um churrasqueiro e uma costureira: meu pai e mãe, respectivamente.
Depois deles, conto sempre com os ‘seu Jorges’ da vida.
Por essas e outras, fique de olho no próximo pipoqueiro que encontrar. Ele terá muito mais a oferecer do que uma simples caneca de piruá. E assim que puder...
Compre seu caderninho azul!